Ao nos relacionarmos com as pessoas
em nosso dia a dia, seja no lar, seja no trabalho, seja em qualquer outro local
usual ou novo que estejamos, temos o tão social e saudável hábito de dizer “bom dia”. Essa expressão está mecanicamente tão enraizada em nossa comunicação
com os demais que, na maioria das vezes, nem nos damos conta do seu significado
e importância. Simplesmente a pronunciamos às pessoas as quais nos
relacionamos, seja apenas para cumprimentá-las, seja para dar início a um
diálogo. Toda manhã ao levantarmos, desejamos bom dia às pessoas em nossa
volta; ao chegarmos ao trabalho, cumprimentamos as pessoas com um cordial bom
dia; ao falarmos com nossos clientes e amigos, a primeira coisa que dizemos é
“bom dia”. Não é isso? É sim. Mas qual o significado desse tão social e
saudável gesto? Por que dissemos “bom dia” às pessoas em nossa volta? E nós?
Será que nós esperamos receber esse “bom dia” todos os dias?
Tenho notado que a expressão “bom dia”
é utilizada, corriqueiramente, como forma de cumprimento inicial, uma saudação
apenas. Trata-se de um gesto educado que naturalmente se convencionou entre as
pessoas como forma de contato social e inicial de um diálogo. É um cumprimento
de chegada, ou algo assim. Via de regra, essa expressão é utilizada, pela
maioria das pessoas no mundo todo, no período da manhã como forma de saudação.
Mas continua a perguntar: o que esse “bom dia” significa? Permitam-me trazer um
fragmento de um filme que chamou a minha atenção.
No filme O hobbit: uma jornada inesperada, dirigido pelo consagrado cineastra
e diretor neozelandês Peter Jackson e estreado em 2012 nos cinemas, há uma
passagem que nos leva a uma reflexão sobre a simples, porém rica expressão “bom
dia”. Quem assistiu ao filme pode perceber a inquietude de um marcante e sábio
personagem sobre o uso dessa expressão. O diálogo se passa em um bucólico e encantador
lugarejo conhecido como Condado, onde Gandalf, um dos magos mais poderosos da
Terra Média, surge em uma visita inesperada a casa – na verdade, toca – do Bilbo
Bolseiro, um hobbit simpático, porém solitário e desconfiado feito ele mesmo,
que se encontra sentado no banco diante de seu confortável lar pitando seu
estranho cachimbo, e com ele trava um diálogo. Nesse diálogo, o mago coloca em
discussão semântica a complexidade da expressão “bom dia” dita pelo Bilbo ao
Gandalf ao vê-lo. É exatamente assim:
(Bilbo) – Bom dia!
(Gandalf) – O que quer dizer? Está me desejando um bom dia ou quer
dizer que o dia está bom, não importa que eu queira ou não? Ou talvez queira
dizer que você se sente bem nesse dia em particular? Ou está simplesmente
dizendo que esse é um dia para se estar bem?
(Bilbo) – Tudo isto de uma vez.
Formidável, não? No episódio acima, o
personagem Bilbo deseja ao mago um “bom dia”, assim como desejaria para
qualquer um que por lá passasse. Poderia dizer qualquer outra coisa com, por
exemplo, “olá”, “como vai?” ou “o que deseja?”. Não, ele disse “bom dia”.
Entretanto, para sua surpresa, o pobre Bilbo não contava com esse embaraço pelo
simples fato de dizer “bom dia”. Não faz parte da personalidade Bilbo se
deparar com confronto qualquer que seja a sua relevância. E isso é um dos
motivos que o leva a morar absolutamente sozinho em sua toca. De repente, eis
que se vê alvejado de perguntas questionadoras sobre qual verdadeiramente o significado
que ele queria, naquele momento, dar ao dizer “bom dia”. As perguntas foram, de
fato, provocativas, mas genuinamente pertinentes, pois gerou dúvida ao mago
que, dado sua sensibilidade lingüística, provocou Bilbo para saber qual sentido
da coisa. Aqui entre nós, quando Bilbo responde “tudo isto de uma vez” deixa
transparecer que ele simplesmente disse “bom dia” como uma forma simples e
educada de se cumprimentar alguém, mas nada mais que isso. Não havia interesse
da parte dele em prorrogar a conversa, pois o que ele queria mesmo era fica
sozinho com seu cachimbo.
É muito comum dizermos uma coisa ao
falarmos outra. Ou ainda, falar algo que gera questionamento tendo em vista as
várias formas de interpretação. E esse paradoxo lingüístico pode gerar questionamentos
na forma de pensar e entender aquilo que se é dito. Pegando o exemplo do
episódio acima, isso me faz pensar qual o sentido que tenho dado ao fizer “bom
dia” às pessoas em minha volta! E, na maioria das vezes, questiono-me de como estou
fazendo uso dessa expressão em meu dia a dia.
Será que ao falarmos “bom dia”
estamos verdadeiramente desejando bom dia àquele a qual falamos? Ou estamos
fazendo uso dessa expressão meramente como um mecanismo que nos permite dar
início a um diálogo? Ou ainda, utilizamo-nos dela apenas como forma educada de
dizer “olá”? Às vezes falamos bom dia sem nos darmos conta de termos
pronunciado “bom dia”, pois essa expressão, como já disse, é tão marcadamente
forte em nossa comunicação que não notamos a sua existência a não ser como
forma de nos relacionarmos com os demais em nossa volta.
Não que seja errado utilizarmos a
expressão “bom dia” à pessoa amada, aos nossos filhos, pais ou familiares e
amigos ao acordarmos pela manhã, ou “bom dia” como forma inicial de uma conversa,
ou ainda dizermos simplesmente “bom dia” ao nos despedirmos de alguém. Porém
digo que existe algum muito mais forte por traz dessa expressão, que tem haver
com sentimentos e desejos. E é isso que quero ressaltar aqui, no sentido de
provocá-lo para uma reflexão sobre o outro lado da relação humana. Refiro-me ao
valor de se dizer e, mais ainda, desejar algo de bom para o próximo.
Quando nos levantamos pela manhã,
desejamos fortemente que o nosso dia seja bom, não é mesmo? Se não agimos
racionalmente, ao menos intuitivamente nosso desejo é de termos um dia
produtivo, saudável e disposto. Em nosso cotidiano, não precisamos ter um
excepcional dia, mas almejamos ter um bom dia! Um bom dia de trabalho, um bom
dia de estudos, um bom dia de relacionamentos diversos.
Mas será que no momento em que
desejamos um “bom dia” a alguém estamos fortemente engajados e interessados em
desejar que esse alguém tenha um dia bom? Será que nosso pensamento está
voltado a esse desejo ao próximo? Confesso que por inúmeras vezes disse “bom
dia” às pessoas visando apenas cumprimentá-las ou dar início ou fim a um
diálogo com elas. No entanto, sempre me apeguei a esse fato de que ao dizer
“bom dia” eu deva ter comigo o forte interesse e sentimento de desejar o bem ao
próximo, desejando-lhe, do meu coração, que tenha um dia bom, mesmo que ele não
sinta explicitamente esse meu desejo. Afinal, dizer bom dia é uma das
oportunidades que temos para manifestar nossa vontade em desejar o bem, desde
que, evidentemente, esse desejo seja sincero.
Claro, não quer dizer que desejamos
o mal ao próximo pelo fato de dizermos “bom dia” por simplesmente dizer. Mas se
ao dissermos “bom dia” com desejo de que realmente o dia seja bom para o
próximo, tenho convicção de que a energia e a unidade canalizadas motivarão ainda
mais nosso universo e as coisas em nossa volta para influenciarem positivamente
as pessoas e os bons relacionamentos, pois, com isso, tudo pode culminar
positivamente para aquele que desejarmos um bom dia e, por conseguinte, para
nós mesmos. É uma reflexão que cabe a cada um de nós se desejarmos o bem e se
queremos também recebê-lo. Mais importante que dizer “bom dia” é desejar que o
próximo tenha um dia bom. E esse sentimento fará bem ao nosso coração. Então, ao
utilizarmos a expressão “bom dia”, não só a falemos, mas também a desejemos com
muita energia e unidade, e o universo atuará em nosso favor. Bom dia!